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GESTÃO DE MUDANÇAS EM ABORDAGENS ÁGEIS

A crescente adoção de metodologias e frameworks ágeis para gestão de projetos, especialmente, mas não exclusivamente, na área de tecnologia da informação, vem provocando dúvidas e questionamentos na comunidade de gestores de mudanças, profissionais de RH, projetos e especialistas em abordagens ágeis. Qual o papel do gerente de mudanças quando trabalhando em um projeto conduzido com um framework ou metodologia ágil? Quais atividades de gestão de mudanças devem ser realizadas e em que sequência? O que muda afinal em termos de gestão de mudanças quando a mudança é introduzida através de um projeto que usa uma abordagem ágil?

Simplificando muito este tema complexo, podemos dizer que a essência do trabalho de gestão de mudanças – engajar os stakeholders e gerir os antagonismos – é a mesma em qualquer modelo de gestão de projetos, seja ele ágil, híbrido ou preditivo. Entretanto, nos projetos geridos com abordagens ágeis, existem algumas peculiaridades que precisam de ajustes na maneira como gerimos e lideramos as mudanças.

Projetos são um meio para alcançarmos objetivos estratégicos de uma organização, e para isso mudanças no status quo serão introduzidas. Não importa qual abordagem metodológica nem o tipo de projeto que será desenvolvido, pessoas estarão envolvidas e poderão ser afetadas pelas mudanças.

Quando abordamos modelos ágeis de gestão de projetos, considerando apenas os requisitos técnicos para o desenvolvimento de um produto, deixamos de lado um vetor essencial para o sucesso da empreitada: o fator humano.

Na prática a gestão de mudanças atuará em temas que podem parecer simples para um profissional do universo ágil. Entretando, a resposta humana em processos de mudanças, na maioria das vezes é bastante complexa e exige preparo especializado na aplicação de boas práticas, técnicas e ferramentas.

Podemos usar como exemplo a comunicação com os stakeholders. Comunicar não é o mesmo que informar. Por vezes, vemos profissionais que elaboram excelentes planos de comunicação, mas esquecem que boa parte do que precisa ser comunicado terá caráter extraordinário, dinâmico, e portanto não faz parte de nenhum planejamento.

Ouvir é parte relevante da comunicação. Quando falamos de ouvir, não nos referimos apenas aos rituais típicos de feedback que fazem parte dos modelo ágeis, mas sim da interação humana ampla, envolvendo os stakeholders que estão ligados diretamente no projeto, mas também aqueles que somente mais adiante serão tocados pela mudança. Ouvir empaticamente vai além da decodificação do que está sendo dito. É preciso também estar atento a “como” as pessoas falam, quais emoções estão contidas naquele momento de interação. Deve-se considerar ainda o que não foi dito, a parte oculta das emoções que estão presentes, mas que ainda não encontraram espaço para serem compartilhadas. A escuta ativa, por si só, é uma ação de engajamento e nem todo profissional, especialmente aqueles com um perfil técnico, está necessariamente atento a este detalhe.

Por vezes, simplesmente por encontrar um canal para expressar emoções reprimidas, um stakeholder muda sua percepção em relação ao projeto e às mudanças que serão por este introduzidas. Vale lembrar ainda, um conceito de comunicação em gestão de mudanças, que frequentemente é esquecido: o silêncio comunica. Quando não dizemos algo ou deixamos um gap na comunicação, na verdade estamos dizendo muito. Pior, estamos deixando a comunicação fluir por canais que não podemos gerir. Enquanto o silêncio ecoa, A “rádio corredor”, “rádio peão”, “rádio whatsApp”, como se diz no jargão popular, será rapidamente ativada. Notícias quase sempre distorcidas e com viés negativo podem dominar o ambiente, fomentando o antagonismo, sem que a equipe do projeto se dê conta, pelo menos no primeiro momento.

Há muitos outros fenômenos humanos relevantes, que fazem parte da agenda do profissional de gestão de mudanças. Gestão do estresse, motivação, impactos organizacionais, indicadores de prontidão e sustenteção das mudanças, dentre vários outros, que são explorados no livro Gestão de Mudanças em Abordagens Ágeis (Gino Terentim e Vicente Gonçalves, Editora Brasport, 2020).

Um dos mais relevantes é a saturação ou fadiga com o excesso de mudanças simultâneas. Quando um grupo de stakeholders é bombardeado com uma sequência de mudanças muito profundas em Releases subsequentes, este pode simplesmente não ter tempo para assimilar tudo que está mudando. Mais uma vez, não observar esta preocupação recorrente em relação ao fator humano pode ser fonte de antagonismos, capaz de contaminar o ambiente e minar a consolidação das mudanças.

Alterar o plano de Releases para permitir o tempo necessário para digestão das mudanças, nestes casos, passa a ser uma hipótese a ser discutida na revisão das prioridades das Releases futuras. Não se trata de tirar o foco do produto em desenvolvimento, mas da inclusão de outra variável, a resposta humana às mudanças que chegarão com cada incremento implantado.

É neste ponto que podemos dizer que a integração entre gestão de projetos e mudanças pode fazer toda a diferença. No caso do universo ágil, ao priorizar ou revisar a priorização de Releases e iterações (sprints), o fator humano deve ser uma das variáveis a serem consideradas. Afinal, de nada vale ter um incremento a um produto pronto para ser implantado, se a organização e seus stakeholders não estiverem preparados para lidar com as mudanças que serão, por consequência, introduzidas.

Nosso objetivo com este artigo é apenas demonstrar com poucas palavras, que todo projeto introduz mudanças em uma organização. A gestão de mudanças organizacionais é um catalizador para assimilação dessas mudanças. Aliás, se uma empreitada não mudar nada em uma organização, o projeto terá fracassado. Seria melhor ter direcionado os recursos financeiros e o esforço humano para outra iniciativa.

Mudanças organizacionais são o resultado das mudanças humanas. Gerir a complexa resposta humana aos processos de mudanças exige conhecimento específico e método adequado, neste caso, integrado ao universo ágil.

Focar exclusivamente no desenvolvimento do produto e negligenciar o reflexo humano, representa um enorme risco do projeto entregar menos valor do que esperado. No extremo, até mesmo não entregar valor nenhum.

Eis uma lição que profissionais de sucesso já aprenderam. Outros ainda precisam refletir sobre o tema e adotar o caminho certo, para que o agilismo de fato represente valor agregado às organizações.

Vicente Gonçalves

CEO – Human Change Management Institute.

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